Pela segunda vez na história, a cidade de São Paulo recebe uma etapa da Fórmula E. Os treinos serão nesta sexta-feira (15), e a corrida ocorre no sábado (16). O brasileiro Lucas di Grassi é um dos principais nomes do país na modalidade e defende uma revolução no automobilismo.
Segundo o piloto, a Fórmula 1, no formato atual, com veículos a combustão, vai perder espaço no meio automotivo para as corridas com carros elétricos.
“Imagina se, daqui 20, 30, 50 anos, todos os carros na rua forem elétricos, qual será a função do automobilismo a combustão se não simplesmente por nostalgia e por ser alguma coisa clássica? Nenhuma”, afirma Di Grassi.
O paulista acredita em uma mudança no comportamento do brasileiro e no crescimento dos carros elétricos no Brasil, mesmo que seja um processo mais lento que em outros países.
“A longo prazo, não vai fazer sentido, do ponto de vista comercial, você ter uma marca que só vende carro elétrico fazendo uma corrida a combustão. Para as marcas, com o aumento da venda de veículos elétricos, como desenvolvimento, já faz muito mais sentido tender ao elétrico. Apesar de o Brasil ser um mercado pequeno de carros elétricos, é um mercado grande de veículos”, explicou.
Di Grassi se tornou piloto com a ajuda de uma bolsa da Renault, que recebeu quando ainda estava começando a carreira. Atualmente as marcas não costumam mais realizar esse tipo de projeto. O piloto acredita que o automobilismo, de uma forma geral, “tem ficado menos relevante para indústria com o passar do tempo”.
“Na época, tinha até uma frase famosa: “Win on Sunday, sell on Monday”. Você ganha a corrida no domingo e vende o carro na segunda. Essa relação entre automobilismo e venda de veículos se perdeu um pouco, por isso houve menos investimentos das montadoras e cortaram essas escolas de pilotos que apoiavam há 20 anos”, explicou.
Di Grassi reforça a potência da Fórmula E como um agente transformador na sociedade e não descarta entrar para a política.
“Tenho um carinho especial pela Fórmula E, porque eu ajudei a fundar, a desenvolver. Não é só uma categoria de automobilismo que preza pelo entretenimento e pelo esporte, ela está direta e ativamente criando tecnologias que vão melhorar a sociedade. Que vão transformar a mobilidade em algo mais limpo, mais democrático, mais barato e vai melhorar a qualidade das pessoas”, afirmou.
“Acho que posso ajudar mais a sociedade brasileira na área privada do que na pública. Porém não descarto ir para política um dia, terei a maior honra e o prazer de poder ajudar o meu país, que eu amo tanto e que eu tenho representado por 20 anos no automobilismo mundial”, completou.
Veja a entrevista completa com Lucas Di Grassi
Correr no Brasil
Correr no Brasil tem uma aura, uma energia especial. Eu que nasci e cresci em São Paulo, estou fora do Brasil há mais de 20 anos, tive que sair para seguir minha carreira de piloto.
Mas vejo o Brasil como a minha casa, como meu país. Poder correr em solo brasileiro sempre é bom. No Brasil, sempre tem um carinho especial do público. Então, para mim, é a etapa mais importante do ano e vou tentar fazer o melhor possível.
Fórmula E no Brasil
Fórmula E no Brasil tem crescido linearmente, desde a inserção, há 10 anos, e tem anos melhores e piores. Acho que também tem a ver com os anos em que eu disputei o título, que eu fui campeão. Obviamente o interesse no Brasil era maior.
Desde o ano passado, nosso carro não está bom, a gente não está tendo resultado do jeito que esperava, fica mais difícil ter interesse do público em geral. Porém o fato de ter uma etapa no Brasil faz com que muita gente que não conhecia a Fórmula E conheça e comece a acompanhar.
Ter mais veículos elétricos ajuda, porém a gente precisa achar uma fórmula, dentro da Fórmula E, que tenha mais apelo ainda para a parte de entretenimento, que o pessoal fique mais ligado com as corridas, mesmo com essa adoção aos poucos do carro elétrico no Brasil.
Tenho um carinho especial pela Fórmula E, porque eu ajudei a fundar a categoria, ajudei a desenvolver. Não é só uma categoria de automobilismo e preza pelo entretenimento e pelo esporte.
Mas ela está direta e ativamente criando tecnologias que vão melhorar a sociedade. Que vão transformar a mobilidade em algo mais limpo mais democrático, mais barato, melhorar a qualidade das pessoas.
Carros elétricos no país
Os carros elétricos estão entrando no Brasil com preços competitivos, e a tendência é, cada vez mais, ter carros elétricos nas ruas. O pessoal está entendendo, depois de 10 anos, o que a gente faz na fórmula E, para que que serve a fórmula E, que é desenvolver essas tecnologias que você vai ver nos veículos elétricos na rua.
Um veículo elétrico vai chegar ao Brasil por menos de 100 mil reais, com mais de 300 km de autonomia e vai custar 20 centavos para cada 10 km em vez de custar 5 reais, por exemplo.
O veículo chegou a esse estado não por causa da Fórmula E, mas a fórmula E é um grande laboratório dos veículos elétricos. O Brasil está começando a entender que Fórmula E faz sentido, que veículo elétrico faz sentido, isso ajuda muito a categoria.
Eu vejo o público fã do automobilismo de duas formas. Tem o pessoal que é hardcore, apaixonado pela combustão e vê o elétrico como uma ameaça, então fica reativo à Fórmula E, fala que não é legal, porque é elétrico. Mas sem ver, sem saber as dificuldades.
E tem um público que gosta de automobilismo e gosta de todas as coisas, então assiste à Fórmula 1, à Fórmula E, etc. Apesar de o Brasil estar um pouco para trás ainda na adoção de carro elétrico, o automobilismo é muito forte e a gente tem que aproveitar essa onda da Fórmula 1 com o serviço de streaming para avançar mais com a Fórmula E no país.
O carro elétrico tem muito mais velocidade de reação, muito mais torque que um veículo a combustão. O pessoal vai começar a entender e a admirar mais os carros elétricos, começar a entender um pouco melhor. E isso tem um impacto direto na categoria.
O futuro do automobilismo tradicional
O esporte, o entretenimento e o veículo comercial não estão 100% correlacionados, mas vou dar um exemplo. Vamos usar analogia da corrida de cavalo. O Jockey Club de São Paulo era muito mais relevante há 50 anos do que é hoje.
Antigamente o pessoal andava a cavalo, havia muito mais corridas de cavalos. A corrida de cavalo não deixou de existir, ainda há cavalos que valem milhões de dólares, porém a competição perdeu relevância dentro do contexto global.
Vai acontecer o mesmo com o carro a combustão. Imagina se todos os carros na rua forem elétricos daqui 20, 30, 50 anos, qual será a função do automobilismo a combustão se não simplesmente por nostalgia e por ser alguma coisa clássica? Nenhuma.
A longo prazo, não vai fazer sentido, do ponto de vista comercial, você ter uma marca que só vende carro elétrico fazendo uma corrida a combustão. Para as marcas, com o aumento da venda de veículos elétricos, já faz muito mais sentido tender ao elétrico.
Apesar de o Brasil ser um mercado pequeno de carros elétricos, é um mercado grande de veículos. Vai mudar mais devagar que o resto do mundo.
Em algumas décadas, a maioria das pessoas não vai andar de carro a combustão, porém pode ser que ainda tenham algumas coisas a combustão, Mas o que vai ser relevante para o desenvolvimento e tecnologia, para ser um laboratório do jeito que o automobilismo é, vai ter que ser elétrico, não tem outra forma.
Economia renovável
Nosso potencial geográfico é muito forte, o Brasil está em uma posição muito importante para a economia renovável. O Brasil tem potencial para ser para ser a Arábia Saudita do carbono.
Os governos que tivemos até agora, na nossa era democrática, são governos que, cada vez mais, têm dado incentivos e subsídios para indústrias ineficientes, não têm prezado pelo desenvolvimento do país do ponto de vista tecnológico.
Se a gente acertar a parte tributária, política e econômica do Brasil, a gente tem potencial para liderar essa transição energética, mas eu tenho um pouco de receio que a gente não consiga fazer isso a tempo. O que é uma pena, porque poderíamos tirar milhões de pessoas da pobreza usando isso como uma fonte de geração de recursos.
Futuro na política
Ir para a política no Brasil é uma uma decisão de vida bem complicada, porque o sistema brasileiro é muito grande, muito engessado, muito travado, eu não sei o quanto eu poderia ajudar o país via política ou via área privada.
Hoje, do meu meu ponto de vista, eu posso ajudar mais, gerar mais emprego, adicionar mais valor para a sociedade brasileira na área privada do que na área pública. Porém não descarto ir para política um dia, terei a maior honra e prazer de poder ajudar o meu país, que eu amo tanto e que eu tenho representado 20 anos no automobilismo mundial.
O futuro do automobilismo
Agora mudou um pouco, porque a Netflix tem até ajudado a ganhar fãs, mas o automobilismo, de uma forma geral, tem ficado menos relevante para indústria com o passar do tempo.
Criaram essa aura em volta das marcas, por exemplo Porsche, Ferrari, com o automobilismo. E hoje é muito difícil isso.
Na época, tinha até uma frase famosa: “Win on Sunday, sell on Monday”. Você ganha a corrida no domingo e vende o carro na segunda. Essa relação entre automobilismo e venda de veículos se perdeu um pouco, por isso houve menos investimentos das montadoras e cortaram as escola de pilotos que apoiavam há 20 anos.
Automobilismo e o público brasileiro
O público brasileiro é bem específico. Eu falo que o brasileiro não gosta de esporte, gosta do vencedor. Enquanto o Guga ganhava no tênis, o tênis era o esporte do momento, entre outros.
Houve muitos pilotos brasileiros bons que passaram pela Fórmula 1 e são mais reconhecidos fora do Brasil do que aqui. Eu acho que um ídolo no automobilismo faria uma grande diferença para o Brasil, porém não acho que é uma condição que iria mudar drasticamente a visão do brasileiro pelo esporte.
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