A Anistia Internacional insiste com a FIFA para que a entidade não confirme a Copa do Mundo de 2034 na Arábia Saudita até que sejam anunciadas mudanças efetivas em relação aos direitos humanos.
Junto com a Sport & Rights Alliance, uma coligação global que promove os direitos humanos por meio do esporte, a Anistia Internacional divulgou, nesta segunda-feira (11), um relatório destacando problemas em torno da candidatura da Arábia Saudita para 2034. O documento também pede uma “estratégia realista de direitos humanos” para o Mundial de 2030, que será sediado por Espanha, Portugal e Marrocos.
Como parte do processo de candidatura, a Fifa afirma que os países devem respeitar “os direitos humanos reconhecidos internacionalmente”, mas o último relatório da Anistia Internacional concluiu que “nenhuma das candidaturas demonstrou adequadamente como cumprirão os critérios de direitos humanos da FIFA”.
E acrescentou: “Embora seja necessária uma estratégia de direitos humanos mais realista para o torneio de 2030, os riscos pendentes na Arábia Saudita são tão graves que a Fifa deveria suspender o processo de candidatura para o torneio de 2034 até que grandes reformas sejam introduzidas”.
Fifa responde
A Fifa, responsável pela organização da Copa do Mundo e maior entidade do futebol mundial, deve nomear os países-sede das Copas do Mundo de 2030 e 2034 no próximo mês, mas há apenas um candidato para cada uma dessas edições.
À CNN, a FIFA disse que publicará os “relatórios de avaliação de candidaturas” para as Copas do Mundo de 2030 e 2034 antes do congresso, que será realizado no dia 11 de dezembro.
“A Fifa está implementando processos de licitação completos para as edições de 2030 e 2034 da Copa do Mundo, em linha com processos anteriores para a seleção de anfitriãs da Copa do Mundo Feminina da Fifa de 2023 na Austrália e na Nova Zelândia, da Copa do Mundo da Fifa de 2026 nos Estados Unidos Estados Unidos, México e Canadá e a Copa do Mundo Feminina da Fifa 2027 no Brasil”, disse um porta-voz da entidade à CNN.
Arábia Saudita e a Copa de 2034
Após o grande investimento em diversas competições desportivas, a Arábia Saudita traçou planos ambiciosos para a Copa do Mundo de 2034.
O país se comprometeu com projetos significativos de infraestrutura e logística, desde novas rotas de transporte, com ligações a mais cidades, além da construção ou renovação de 11 estádios e 185.000 novos quartos de hotel, entre outros grandes projetos.
De acordo com o site oficial da candidatura de 2034, a Arábia Saudita afirma que “defendeu uma abordagem com direitos humanos, aproveitando a experiência de todo o Reino e de outros lugares”.
Disse também que utilizaria o torneio para “trazer oportunidades e responsabilidade para defender os direitos humanos ao longo desta jornada e além”.
No entanto, Steve Cockburn, chefe de direito trabalhista e esportivo da Anistia Internacional, afirma que os planos da candidatura “exigirão um grande número de trabalhadores imigrantes para se concretizarem” e que “não há compromissos para reformar o sistema Kafala, de patrocínio explorador do país, estabelecer um salário mínimo para não-cidadãos, e lhes permitir aderir a sindicatos ou introduzir novas medidas para prevenir mortes de trabalhadores”.
“Muitos morrerão”
“Kafala” refere-se a um sistema de patrocínio que vincula os trabalhadores migrantes a um empregador específico. De acordo com a Human Rights Watch, os trabalhadores são “vulneráveis a abusos generalizados, incluindo substituição de contratos, taxas de recrutamento exorbitantes, não pagamento de salários, confisco de passaportes pelos empregadores e trabalho forçado”.
Apesar de uma série de reformas anunciadas pela Arábia Saudita nos últimos anos, os empregadores “ainda detêm um controlo desproporcional sobre os trabalhadores”, segundo a Human Rights Watch.
“Sem obter garantias realistas de reforma, haverá um custo humano real e previsível na atribuição da Copa do Mundo de 2034 à Arábia Saudita”, acrescentou Cockburn.
Os fãs enfrentarão discriminação, os residentes serão despejados à força, os trabalhadores migrantes enfrentarão exploração e muitos morrerão. A Fifa deve interromper o processo até que sejam implementadas proteções adequadas aos direitos humanos para evitar o agravamento de uma situação já terrível.
Anistia Internacional
Direitos LGBT+
A Anistia Internacional afirma que os novos projetos também resultarão em despejos forçados, ao mesmo tempo que afirma que a estratégia da candidatura não aborda a discriminação contra as mulheres e a criminalização das relações entre pessoas do mesmo sexo.
A homossexualidade é oficialmente ilegal na Arábia Saudita, embora no ano passado o reino tenha dito que recebe turistas LGBTQ+.
“A estratégia de direitos humanos da Arábia Saudita não aborda a severa repressão da liberdade de expressão por parte do governo e a prisão contínua de indivíduos que foram condenados a décadas de prisão apenas pela sua expressão, sugerindo que não existe um compromisso sério com a reforma”, acrescentou Cockburn.
“Sport washing”
A Arábia Saudita já resistiu a alegações de “sport washing”, que envolve países que utilizam eventos esportivos de alto nível para projetar uma imagem favorável para o mundo, muitas vezes para desviar a atenção de irregularidades.
O príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, disse anteriormente que não “se importa” com o fato de os investimentos do país serem descritos dessa forma.
No ano passado, o Ministro dos Esportes da Arábia Saudita, Príncipe Abdulaziz bin Turki Al Faisal, disse à BBC Sport que as alegações de sport washing contra o país eram “muito superficiais” e minimizou as críticas sobre os direitos dos trabalhadores migrantes na preparação para 2034.
Copa de 2030 também é alvo do relatório
O novo relatório também aborda preocupações em relação à Copa do Mundo de 2030. O torneio será sediado por Espanha, Portugal e Marrocos, com os três primeiros jogos sendo disputados no Uruguai, no Paraguai e na Argentina.
Em junho, a Anistia Internacional e a Sport & Rights Alliance divulgaram um relatório destacando algumas das questões de direitos humanos enfrentadas pelos organizadores, tais como o “uso excessivo da força policial contra multidões” e o “uso indevido de balas de borracha” nos três países anfitriões, bem como restrições à liberdade de expressão.
Em setembro deste ano, Vinicius Jr., atacante do Real Madrid, comentou sobre a candidatura em entrevista exclusiva à CNN e disse que caso não haja evolução sobre a questão racial na Espanha, o país deveria deixar de sediar o Mundial. O brasileiro é constantemente vítima de ataques racistas nos estádios espanhóis e vem sendo um importante símbolo da luta antirracista no futebol.
O relatório da Anistia Internacional de junho também destacou a possibilidade de “despejos forçados” em Marrocos devido à escala dos projetos delineados pela candidatura – incluindo um novo estádio com 115.000 lugares fora de Casablanca.
“A Copa do Mundo de 2030 poderá constituir uma oportunidade para reforçar a protecção dos direitos humanos nos três países, mas apenas se os governos e as associações de futebol estiverem preparados para trabalhar em estreita colaboração com os torcedores, organizações de direitos humanos, sindicatos e outros grupos”, afirmou Cockburn.
Em declaração à CNN, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) afirmou que o processo de candidatura foi “baseado no estrito cumprimento de todos os princípios e requisitos públicos já anunciados pela Fifa” e foi feito “em estreita coordenação com os respectivos governos e outras autoridades competentes.”
A FPF acrescentou que a candidatura conjunta “já preparou um estudo que enquadra e sinaliza as principais preocupações e recomendações em matéria de direitos humanos para este projeto e que será anexado ao relatório final”.